Alguns pressupostos da espiritualidade cristã prepararam a Igreja para o acolhimento da graça da RCC. Recordamos que na metade do século XX o Espírito Santo suscitou os movimentos bíblico e litúrgico, um retorno à espiritualidade patrística e as iniciativas ecumênicas. A história com seus grandes valores filosóficos, antropológicos e científicos, exigia do cristão maior capacidade de acolhimento, compreensão e diálogo.
O mundo moderno e industrializado, as culturas e tradições, valores e relações, tudo parecia uma avalanche de transformações. A Igreja tinha os seus olhos e o seu coração atentos a acompanhar e participar dessas mudanças. Ao mesmo tempo, permanecia na íntima amizade com o Senhor a pedir força, discernimento e sabedoria para ajudar os fiéis a viverem tais transformações como testemunhas do Cristo Ressuscitado. A Igreja sentia necessidade de ainda mais ir ao encontro do homem moderno, desorientado e enfraquecido na sua missão como batizado. Era uma urgência corrigir as ações que não colaboravam na evangelização, na relação do homem com a comunidade cristã, no seu chamado à santidade e na fraternidade universal entre todos os homens.
A Igreja, na sua missão de mãe geradora da vida espiritual, compreendia que precisava educar os seus filhos para não se iludirem com as falsas promessas de felicidade que uma dimensão da ciência moderna, mais atéia e iluminista, propunham. Excluir Deus desse processo de mudanças ou viver uma fé mesquinha, tímida e incoerente, sem vigor, sem alegria, passiva e omissa diante do mistério da impiedade e da supremacia da razão, sem dinamismo evangelizador, era algo que a Igreja precisava intervir e nutrir seus filhos com o alimento da Palavra, da oração, da Eucaristia e da força da experiência com Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida. Experiência que só o Espírito Santo realiza e mantém viva em nós!
Uma Igreja em renovação e diante de uma sociedade em mudanças avassaladoras, precisava de “verdadeiros místicos”, de homens que testemunhassem a alegria e a força do batismo, daquele primeiro amor que eclodiu nos apóstolos da comunidade primitiva quando o grande pentecostes revolucionou a vida deles, no Cenáculo de Jerusalém. O renomado teólogo Von Balthasar já dizia que “somente os místicos conseguiriam viver a fé em Jesus Cristo nos tempos modernos”. Só os amigos de Deus, aqueles que dão importância primordial à centralidade de Deus, de sua Palavra e da vida de oração, poderão propor a radicalidade e a beleza extraordinária do Evangelho. Só é possível viver a fé na modernidade se tiver uma vida bem centrada na vontade de Deus, pois nisto consiste a verdadeira alegria do cristão.
É Cristo a razão do verdadeiro entusiasmo cristão. Se Ele não nutre a nossa vida e fé tudo não passa de absurdo, de experiência que tende a esfriar com o passar dos dias e anos. O homem moderno identificará quem verdadeiramente traz em si a primazia absoluta do amor de Cristo. Ser místico é ter uma vida alegre, aberta, acolhedora, apaixonada por Cristo. Isso transborda num coração cheio de compaixão pelo homem que padece por não conhecer a Jesus Cristo. Surgem então algumas interrogações e desafio concretos: Como ir até este homem? Como conduzi-lo á fé? Como renovar e testemunhar a mesma alegria e unção do Pentecostes de Jerusalém? Como fazer com que o coração do homem moderno arda de desejo ao escutar a Palavra do senhor? Como manifestar ao homem da técnica, do pensamento racional, de tantas diferenças culturais a novidade do Evangelho, a alegria de sermos Igreja e a atualização da Salvação de Jesus Cristo? Somente uma intervenção do Espírito Santo, Aquele que gera e sustenta a vida espiritual, somente um novo derramamento da sua graça e da sua unção tudo isso se torna possível.
Cada filho da Igreja, chamado à santidade, ansiava viver uma renovação da fé, na sua relação com o homem e com a Igreja. Na verdade queriam que se repetissem os sinais e as maravilhas de Pentecostes. Só assim seria possível outra vez viver e testemunhar a grande experiência do apóstolo João: “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos tocaram do Verbo da vida – pois a vida se manifestou, e nós vimos e damos testemunho e vos anunciamos a vida eterna que estava voltada para o Pai e se manifestou a nós -, o que vimos e ouvimos nós vo-lo anunciamos, também a vós, para que também estejas em comunhão conosco. E a nossa comunhão é comunhão com seu filho Jesus Cristo. E isto vos escrevemos para que nossa alegria seja completa” (I João 1,1-4).
O Espírito Santo, alma da Igreja, Santificador das almas, Aquele que a conduz e a capacita para a sua missão de conduzir os homens para Cristo, não hesita em agir apressadamente na Igreja. Ele preparava um acontecimento, uma graça especial de renovação de toda a vida da Igreja. A fidelidade do Espírito Santo é uma certeza e uma segurança para cada época que precisa a Igreja testemunhar Jesus Cristo e sua Salvação. No dia 1º de janeiro, o primeiro dia do primeiro ano do século XX, o Papa Leão XIII, cheio do Espírito Santo, canta solenemente o hino “Veni Creator Spiritus” (”Vem, Espírito Criador, as mentes dos teus, visita, enche com a graça do céu os corações que criastes”) (1). Ele entrega, consagra o século XX aos cuidados da Pessoa do Espírito Santo. Daí por diante já começava um tempo novo na história da Igreja e da Humanidade. Em breve o mundo conhecerá um dos maiores e mais importante Concílio de todos os tempos, Vaticano II (ano 62 a 65), e menos de dois anos depois, 1967, surgirá a RCC (Renovação Carismática Católica), com o acontecimento da Universidade de Duquesne / EUA. Dois acontecimentos, os quais farão com que se inicie um tempo novo na vida da Igreja. Podemos dizer que a RCC é fruto da Novidade do Espírito Santo, derramada no Concílio Vaticano II.
Todas as “Novas Comunidades” são frutos maravilhosos dessas abundantes graças do Epírito Santo para o tempo da Igreja que se chama hoje. Neste mesmo espírito de louvor e gratidão, bendizemos a Deus pela Comunidade Católica Shalom, pelos seus 27 anos de serviço ao Evangelho de Cristo, à Igreja e ao homem que padece a ausência de Deus. Deus se utilizou desta “obra nova”, pequeno grão de mustarda, para germinar vida nova, vida de Deus, vida da graça e da salvação em tantos corações e lares. Filhos da Igreja, queremos, cheios de entusiasmo, levar ao homem de hoje a eterna novidade do Espírito Santo e seus Carismas: tornar o nome de Jesus conhecido, amado e adorado!
Notas do texto:(1) – O “Veni Creator” é um hino composto no século IX. Ressoado desde lá na Cristandade de expressão latina, sobretudo na Festa de pentecostes, como prolongada e soleníssima invocação (epiclese) do espírito Santo sobre a humanidade inteira e a Igreja. Raniero Cantalamessa. O Canto do Espírito, Vozes 1998, 2ª edição, p.7.
Antonio MarcosConsagrado na Comunidade Católica Shalom
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