Sobre as revelações de Santa Brígida – Parte 2
– (Dom Estêvão Bittencourt)
B. Traços doutrinários
1. Pode-se dizer que a
característica dominante da espiritualidade de Santa Brígida é a devoção para
com a santíssima humanidade de Cristo e para com a Mãe do Salvador; S. Brígida
deu grande atenção às expressões humanas do Senhor Jesus, expressões pelas
quais se irradiava a Divindade. Ao fazer isto, aliás, a Santa correspondia bem
às tendências da piedade medieval (tenham-se em vista, por exemplo, São Francisco
de Assis e seu ideal cavaleiresco; S. Bernardo e sua devoção para com o Menino
Jesus e Maria SS.).
Eis
algumas passagens das «Revelações» nas quais se manifesta tal tendência:
A
Virgem SS. terá aparecido um dia a Brígida, dizendo-lhe: «Hei de te mostrar
como era meu Filho em sua humanidade, e como foi Ele sobre a Cruz na hora da
sua Paixão» (Extravag. LXVI).
A
respeito do Menino Jesus, haverá Maria SS. declarado a Brígida:
«Quando
alimentava o meu Filho, tal era a sua beleza que todos aqueles que O viam eram
aliviados em suas penas; por isto diziam muitos judeus uns aos outros: 'Vamos
fazer uma visita ao Filho de Maria'» (Revel. VI1).
Educada em meio à
sociedade feudal, em que o ideal do cavaleiro empolgava as almas nobres, a
Santa se deleitava em considerar o. Senhor Jesus como cavaleiro heroico,
sequioso de defender ou propugnar a causa do bem, pronto a se sacrificar
totalmente por heroísmo. Por conseguinte era principalmente para a Paixão de
Jesus que se voltava a atenção de Brígida.

«Brígida,
um dia ouvindo pregar sobre a Paixão de Cristo, gravava com amor em seu coração
o que ela percebia. Na noite seguinte, apareceu-lhe Cristo tal como Ele se
achava no momento de sua crucifixão, e lhe disse: 'Eis como fui ferido'.
Brígida, julgando então que o Salvador acabava de ser novamente crucificado,
interrogou: 'Senhor, quem Vos tratou assim?' — 'Aqueles que me desprezam e
desdenham o meu amor', respondeu Jesus.
Brígida,
voltando a si, guardou, a partir desse dia, uma recordação tal da Paixão de
Cristo que não podia pensar nos sofrimentos do Salvador sem derramar lágrimas.
Experimentava tão profundo deleite na contemplação das chagas de seu Esposo que
ela ficava toda abrasada de amor, e a compunção a levava a derramar lágrimas»
(Birger, Vita S. Birgittae 6).
A figura de Jesus
padecente é descrita nas «Revelações» com abundância de pormenores, todos muito
realistas:
«Estava
coroado de espinhos. De seus olhos, seus ouvidos e suas barbas escorria o
sangue... Tinha o queixo deslocado, a boca aberta, a língua a sangrar... O
ventre, abrindo uma concavidade, parecia tocar as costas, como se Ele já não
tivesse intestinos» (Revel. VII15).
Esse Jesus, ora tão
gracioso, ora tão identificado com os homens, é um porta-voz de amor que deseja
ardentemente o amor ' das criaturas.
É a SS.
Virgem quem diz a Brígida, conforme as «Revelações»:
«Meu
Filho te ama com todo o seu coração. Por isto, recomendo-te que nada ames a não
ser Ele mesmo» (Revel. VI1).
Jesus,
por sua vez, incute logo no limiar das «Revelações»: «Tu, filha que escolhi
para Mim, ama-Me de todo o coração, mais do que qualquer dos bens deste mundo;
pois eu, que te criei, a nenhum dos meus membros poupei, movido por amor a ti.
E tanto amo a tua alma que eu preferiria ser de novo crucificado (se fosse
possível) a ver perder-se a tua alma» (Revel. 11).
As
palavras assim dirigidas a Brígida aplicam-se na verdade a todos os homens:
«Se
fosse possível, eu livremente aceitaria de novo, em favor de cada homem em
particular, penas semelhantes às que aceitei sobre a Cruz em prol de todos os
homens em geral, a fim de que recuperassem a esperança daquela felicidade que
lhes foi outrora prometida» (Revel. I 58).
«Ó
amigos, amo as minhas ovelhas com tanta ternura que, se fôra possível, eu
morreria em favor de cada uma delas, a morte que padeci para a Redenção de
todas, em vez de ver algumas delas perder-se» (Revel. I 59).
As
palavras assim atribuídas ao Senhor Jesus fazem eco genuíno às de São Paulo em
Gál. 2,20 : «Ele me amou e se entregou por mim».
2. O amor a Deus
despertava em S. Brígida o zelo ardoroso na repressão dos vícios morais. Seus
escritos lembram frequentemente os dos profetas do Antigo Testamento, que
receavam interpelar governantes e governados, sacerdotes, príncipes e simples
fiéis, a fim de os desviar do mar.
Talvez
cause surpresa a atitude dos pecadores daquela época de fé, os quais chegavam a
dizer como em nossos dias:
«Não
sabemos se existe um Deus; e, caso exista, não o levamos em conta» (Revel. 15).
Em
consequência, queixava-se o Senhor a Brígida: «O mundo se envergonha de falar
da fé e dos meus mandamentos. Caso alguém fale disso, todos escarnecem essa
pessoa e a acusam de mentir» (Revel. 138).
O estilo pungente das
exortações de Brígida se pode avaliar pelo seguinte espécimen:
«Assim
fala o Filho de Deus à sua esposa : 'Escreve, da minha parte, ao Papa Clemente
VI estas palavras : Exaltei-te e fiz-te subir ao supremo grau das honras.
Levanta-te, pois, e promove a reconciliação dos reis da França s da Inglaterra,
feras perigosas que levam as almas à perdição. A seguir, vem para a Itália, a
fim de anunciar a Palavra de Deus, assim como o ano de salvação e de amor
divino. Verás as praças rubras em virtude do sangue dos meus santos. Depois
dar-te-ei a recompensa que não tem fim'» (Revel. VI 63).
Neste
trecho há uma alusão à guerra dita «dos Cem Anos», entre a. França e a
Inglaterra, iniciada em 1337. O «ano de Salvação» seria um ano de jubileu ou de
ampla misericórdia concedida aos pecadores.
Os trechos até aqui
transcritos já permitem aquilatar o conteúdo das «Revelações» de S. Brígida.
Fonte:
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