29 janeiro 2018
A sinceridade na oração
"Meditávamos sobre a necessidade de conseguirmos condições favoráveis, externas e internas, para poder fazer uma boa oração: o recolhimento exterior e o recolhimento interior.
Mencionávamos também uma outra condição, sem entrar a fundo nela: para orar, é preciso ter sinceridade, a coragem de enfrentar a verdade no íntimo do coração. Vamos refletir agora sobre isso.
É interessante verificar que o primeiro conselho de Cristo sobre a oração, que se encontra no Evangelho, fala de sinceridade: «Quando orardes – diz Jesus –, não façais como os hipócritas» (Mt 6,5). Que fazem os hipócritas? Vamos recordar o que Jesus nos diz acerca deles, e – ao vermos as máscaras que Cristo lhes arranca da alma – enxergaremos melhor a sinceridade que nos pede.
Primeira máscara: No meio da parábola do semeador, Nosso Senhor faz uma citação do profeta Isaías: O coração deste povo se endureceu: taparam seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para que seus olhos não vejam e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração compreenda; para que não se convertam e eu os sare (Mt 13,15).
Como são claras e fortes essas palavras! O segredo está no final da frase: não querem se converter, ou seja, não estão dispostos a aceitar a graça de Deus, que os curaria dos seus erros passados e os levaria a mudar. Isso faz com que seu coração se “endureça”; e essa dureza de coração se manifesta na má vontade, que leva a não querer ouvir nem ver: tapar os ouvidos e fechar os olhos.
Que Deus nos livre dessa dureza de coração! Mas..., será que isso não acontece conosco? Às vezes, custa-nos abrir o coração com plena sinceridade diante de Deus, expor sem medo a nossa vida à luz das exigências do Evangelho, dispor-nos a acolher os conselhos de um bom confessor..., simplesmente porque não queremos mudar.
“Não quero me complicar!”. O coração deixou de ser manso e flexível, e ganhou a dureza da pedra. Agir assim é a mesma coisa que expulsar Deus da alma, e dizer-lhe: “Não me toques, não mexas comigo, não me perturbes, fica longe de mim!” Como é bela a sinceridade de uma alma que, quando vai orar, abre de par em par o coração, disposta a aceitar todas as luzes, inspirações, repreensões e exigências que Deus lhe quiser manifestar. Só ora bem uma alma transparente, uma alma corajosa, que está disposta a mudar.
Segunda máscara: a do fariseu da parábola. Sobe ao templo, e ora no seu interior desta forma: Graças te dou, ó Deus, porque não sou como os outros homens: ladrões, injustos e adúlteros; nem como o publicano que está ali. Jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus lucros (Lc 18, 914).
É a máscara do orgulho, do convencimento, da falsa bondade. Aparentando piedade, o fariseu, na realidade, se defende. Ele, no fundo, diz a Deus: “Veja, Deus, eu sou bom: não tenho pecado. Não falho nas minhas obrigações religiosas, e não me misturo com pecadores como esse publicano aí... Portanto, estamos quites, o Senhor não tem nada que reclamar de mim, pode me deixar em paz”. Você nunca conheceu cristãos assim? Dizem: “Não cometo pecados, não preciso me confessar; eu cumpro as minhas obrigações; rezo; vou à Missa sempre que posso”.
Com essa mentalidade, é impossível falar com Deus e ouvi-lo. «O orgulho cega tremendamente», dizia São Josemaria Escrivá. Cuidado! Porque esse orgulho que nos leva a justificar-nos, vai nos congelando, cristalizando no erro, no mal, na mediocridade. É natural que o Espírito Santo, quando encontra o nosso coração endurecido, nos recorde o que Jesus comentava acerca do fariseu: Não saiu do templo justificado. Por quê? Porque Deus resiste aos soberbos e só dá a sua graça aos humildes (1 Pedr 5,5).
Entende-se assim o que diz o Catecismo da Igreja Católica: «O pedido de perdão é o primeiro movimento da oração...» (n.2631), e que cite como exemplo a oração do publicano, ouvida e aceita por Deus: Tem piedade de mim, pecador (Lc 18,13).
Terceira máscara: Jesus também a arranca da alma de alguns hipócritas, quando afirma: Nem todo aquele que me diz “Senhor, Senhor!”, entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus (Mt 7,21).
Glosando estas palavras, São Josemaria falava da «oração dos filhos de Deus», em contraste com o palavreado dos hipócritas: «Que o nosso clamar – Senhor! – se una ao desejo eficaz de converter em realidade essas moções interiores que o Espírito Santo desperta na alma» (Amigos de Deus, n. 243).
A oração do egoísta sentimental, que gosta de rezar, que chora ao cantar na Igreja, que se emociona com um bom sermão..., mas que não procura captar nem realizar a Vontade de Deus, é a oração dos hipócritas, que têm duas vidas separadas: a “vida espiritual” e a vida prática, real.
Quarta máscara: É a que nos mostra, com palavras brevíssimas, esta frase de Cristo: Quando vos puserdes de pé para orar, perdoai, se tiverdes algum ressentimento contra alguém, para que também o vosso Pai que está nos céus vos perdoe os vossos pecados (Mc 11,25).
Se – como acabamos de lembrar – o pedido de perdão é «o primeiro movimento da oração» (Catecismo, n. 2631), com que sinceridade pode falar com Deus aquele que pede perdão, mas não perdoa? Poucas coisas existem que endureçam tanto a alma como o ressentimento. É uma barricada entre o Deus da misericórdia e o pecador, que somos nós. É lógico que, entre interlocutores tão díspares, não possa haver diálogo".
Professor Felipe Aquino na aula 91 do curso de Espiritualidade Católica no Escola da Fé Online
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