Os escritos e a doutrina de São Leão Magno
Texto extraído do livro "Sermões" de São Leão Magno da Editora Paulus.
Texto extraído do livro "Sermões" de São Leão Magno da Editora Paulus.
“Os escritos de Leão
Magno são de três gêneros distintos: sermões, cartas e textos litúrgicos,
embora não se saiba provar, precisamente quais destes últimos lhe pertencem. Os
sermões são quase sempre ligados ao contexto litúrgico enfatizando o aspecto
soteriológico da cristo-logia, falando da presença de Cristo, Senhor e
Salvador.
O Sacramentum
leonianum (chamado também veronense, por se
encontrar em Verona) é obra de colecionador elaborada pelos fins do século VI.
Tomando por referência básica um calendário romano, o autor reuniu os
formulários de orações provindas dos séculos V e VI, de diversos livros
litúrgicos dos sacramentos, usados nas igrejas romanas. Atribui-se a ele a
supressão da confissão pública, substituindo-a pela confissão secreta e a
extensão do celibato aos subdiáconos. Na carta dirigida aos bispos da Itália,
ordena “que não confiram o batismo a não ser na Páscoa
e no Pentecostes, salvo em caso de emergência” (Epist.
168,1). Quanto à penitência, julga que a mediação da
Igreja só é necessária para os “culpados de pecado mortal”. Na Carta 168,2, repreende os abusos introduzidos em algumas
igrejas de manifestar, publicamente, até mesmo os pecados secretos, sem o
consentimento dos penitentes públicos. Mostra-se contra a proclamação dos
pecados confessados em segredo, especialmente, antes da imposição da penitência
pública. Quanto ao primado do bispo de Roma, diz, na Carta 65,2, que “por causa de Pedro, o bem-aventurado
príncipe dos apóstolos, a santa Igreja romana possui a primazia (princi-patus) sobre todas as Igrejas do mundo inteiro”.
Assim, destaca o ministério universal do bispo de Roma, vigário e herdeiro de
Pedro, garante da integridade da Igreja, tanto no plano da comunhão dos
sacramentos quanto no da sociedade dos santos (cf. Epist.
80,2; 108,20; 14,11; 5,2; 6,1; 12,2). O poder e a autoridade conferidos a
Pedro, segundo Leão, estão ativos e vivos “in sede sua” (i. é, na Igreja
romana) e esta dignidade não é diminuída nem mesmo num sucessor indigno. Para
Leão Magno, o papa é concebido como herdeiro legítimo de Pedro, unido de modo
singular a Cristo. Por isso só ele garante a integridade da Igreja. A partir desse
princípio, desenvolve, à maneira romana, a doutrina concernente à trilogia
Cristo-Pedro-Papa. Esta é, sem dúvida, a razão de suas referências freqüentes,
em contexto litúrgico, da presença de Cristo, Senhor e Salvador, na Igreja,
unido intimamente a ela. Esta é a “comunhão dos santos” construída e alimentada
pelos sacramentos.
Entre suas Cartas, deve-se
destacar a Epístola 28, conhecida como Tomus ad Flavianum, de 449.6
Nela repudia o monofisismo de Êutiques e expõe a doutrina de uma só pessoa e
duas naturezas, em Cristo. O bispo de Constantinopla, Flaviano, havia condenado
Êutiques. Mas em 449, em desacordo com Flaviano, reuniu-se, em Êfeso, um
concílio em favor de Êutiques. Como o papa já havia tomado posição contra
Êutiques, exposta justamente no Tomo a Flaviano,
chamou ele este concílio de “Concílio de ladrões”. Estes acontecimentos
provocaram a convocação do concílio de Calcedônia, em 451, o qual adotou as
fórmulas de Leão Magno expostas no Tomo a Flaviano,
isto é, proclamou como dogma de fé a unidade de pessoa e dualidade de natureza,
em Cristo. A doutrina básica do papa assumida pelo concílio de Calcedônia é de
que as duas naturezas, a divina e a humana, existem em Cristo sem mistura
alguma. A unidade de pessoa permite, em Cristo, a comunicação dos idiomas: o
Senhor é, portanto, “visível” e “invisível”, “compreensível” e
“incompreensível”, “passível” e “impassível”.
Nas Cartas
102-106 e 114, Leão Magno felicita as autoridades orientais e os Padres que
participaram do concílio. Na Carta 124, adverte os
monges palestinenses a que aceitem plenamente as decisões do concílio de
Calcedônia e, na Carta 165, além de defender as
decisões conciliares, mostra que elas estão conforme a fé de Nicéia e a
tradição católica.
Das 173 Cartas,
20 mais ou menos são apócrifas. A maior parte delas consiste em documentos da
chancelaria romana revelando as inúmeras medidas e decisões do papa sobre o
governo da Igreja. Das Cartas, só publicamos aquela dirigida
ao bispo de Constantinopla, Flaviano, que de-terminou, na história da teologia,
a dogmática cristológica.
Dos 96 Sermões,
escolhemos aqueles que julgamos mais representativos do pensamento de São Leão
Magno, para este volume. A disposição seqüencial dos sermões obedece ao ciclo
litúrgico anual, em que foram proferidos.
O Sermão
era, no cristianismo antigo, um dever dos bispos. Diferente da Homilia, que é mais um comentário dos textos das Escrituras
lidos nas assembléias e nas celebrações litúrgicas, o Sermão
é uma pregação dirigida aos fiéis com o fim de lhes transmitir um ensinamento
dogmático ou moral, exortando-os a segui-lo. Freqüentemente, Leão Magno
aproveita os Sermões para esclarecer os fiéis sobre as
discussões teológicas do momento, ora sobre o maniqueísmo, ora sobre os
priscilianistas, ora sobre o monofisismo, ora sobre os pelagianos. Após 529, os
sacerdotes receberam autorização para pregar os Sermões. Nos séculos XI e XII,
monges, eremitas e cônegos tinham também o poder de pregar, no que foram
seguidos, no século XII, pelos frades menores franciscanos e pelos frades
pregadores, dominicanos, que se especializaram na pregação das Quaresmas, dos
Adventos e das festas religiosas, especialmente as da Virgem Maria. Mais tarde,
em face à Reforma protestante, para a qual todo cristão é sacerdote, eliminando
a distinção efetiva entre clero e leigo e todos os batizados podem pregar a
Palavra de Deus, o Concílio de Trento (1564) fixou a obrigação dos párocos de
instruir os fiéis todos os domingos e dias de festas, explicando-lhes o
Evangelho do dia. No século XIX, Lacordaire renovou a pregação das Quaresmas da
catedral Notre-Dame de Paris dando-lhes a forma de conferência. Em nosso
século, o concílio Vaticano II (1962-1965) recomenda a homilia como explicação
das leituras bíblicas que são lidas nas celebrações, expondo aos fiéis os
mistérios de fé e das normas da vida cristã.
Os Sermões de São Leão Magno I
têm ainda muito daquele querigma isto é, da proclamação da Boa-nova difundida
pelos apóstolos, anunciando que Cristo interveio em nosso favor, trazendo a
misericórdia, o perdão e a salvação. O querigma não é um simples anúncio
histórico de um evento acontecido outrora. É esse mesmo evento (morte e
ressurreição de Cristo) apresentado e vivido na fé pela comunidade como
realidade presente: ação salvífica de Deus, em Cristo, por obra do Espírito
Santo que está presente na “palavra” anunciada pelo apóstolo. Por isso, os
ouvintes do querigma não podem permanecer indiferentes. São convidados a se
converter e a crer. É esse mesmo apelo veemente que sai dos Sermões.
Por esta razão, são Leão se preocupa em apresentar a doutrina de maneira clara,
mas firme, sempre de acordo com a tradição dos antepassados. Faz-se defensor
ferrenho da cristologia das duas naturezas na unidade de pessoa.”
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