Sermões de São Leão Magno sobre a divindade de Nosso Senhor
Jesus Cristo – parte 2
Texto extraído do livro "Sermões" de São Leão Magno da Editora Paulus.
Texto extraído do livro "Sermões" de São Leão Magno da Editora Paulus.
(...) Desce,
portanto, do reino celeste às íntimas regiões deste mundo Jesus Cristo, Filho
de Deus, sem se afastar da glória paterna, gerado em ordem nova, em novo
nascimento. Nova ordem, porque invisível no que lhe é próprio, fez-se visível
no que é nosso; incompreensível quis ser apreendido; sendo antes dos tempos,
começou a existir no tempo. O Senhor do universo assumiu a condição de servo,
velando a imensidão de sua majestade. Dignou-se o Deus impassível tornar-se
homem passível e o imortal submeter-se às leis da morte.
Vem à
luz por novo nascimento, porque a virgindade inviolada, que ignorava a
concupiscência, ministrou-lhe a matéria corporal.
Recebeu
o Senhor de sua mãe a natureza, mas isenta de culpa. A natureza humana de nosso
Senhor Jesus Cristo, nascido do seio da virgem, não difere da nossa por ter
tido ele admirável natividade.
Sendo
verdadeiro Deus, é também verdadeiro homem. Nesta unidade não há mentira, pois
mutuamente se coadunam humildade humana e grandeza divina.
Como
Deus não se altera por tal misericórdia, o homem não desaparece, absorvido pela
dignidade divina. Age cada uma das naturezas em consonância com a outra, quando
a ação é peculiar a uma delas. O Verbo opera o que lhe é próprio, e a carne
executa o que lhe compete. Uma resplandece pelos milagres, enquanto a outra é
sujeita aos opróbrios. Como não se aparta o Verbo da igualdade da glória
paterna, a carne não perde a natureza do gênero humano. Um e o mesmo, convém
repeti-lo, é verdadeiramente Filho de Deus e verdadeiramente filho do homem.
Deus,
porque no princípio era o Verbo e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era
Deus (Jo 1,1). Homem, porque o Verbo fez-se carne e habitou entre nós (ib.
1,14).
Deus,
porque todas as coisas foram feitas por meio dele, e sem ele, coisa alguma foi
feita de quanto existe (ib. 1,3). Homem porque nascido de mulher, nascido sob a
lei (Gl 4,4).
O nascimento
carnal é manifestação da natureza humana; o parto da Virgem, indício do poder
divino.
A
humilhação do presépio denota a infância do menino (Lc 2,7); as vozes dos anjos
declaram a grandeza do Altíssimo (Lc 2,13).
Assemelha-se
aos homens em seus primeiros dias aquele que Herodes tenta impiamente matar (Mt
2,16). Mas, é Senhor de todos, aquele que, suplicantes, os magos alegram-se de
adorar.
Quando
procurou o batismo de João, seu precursor (Mt 3,13), para ser patente que o véu
da carne encobria a divindade, veio do céu a voz do Pai que dizia: Este é o meu
Filho amado, no qual ponho as minhas complacências (Mt 3,17).
Enquanto
a astúcia do diabo tenta-o, como se fosse apenas homem, serve-o o exército dos
anjos, como sendo Deus (Mt 4,1; 11).
Ter
fome, ter sede, estar cansado e dormir evidentemente é humano. Mas, saciar com
cinco pães cinco mil homens (Jo 6,12) e dar à samaritana a água viva (Jo 4,10),
que não deixa mais ter sede quem a beber, andar sobre as ondas do mar a pé
enxuto (Mt 14,25) e acalmar o furor dos vagalhões, falando imperiosamenre à
tempestade (Lc 8,24) é indubitavelmente divino. Omitindo muitos fatos, digamos
apenas: não é próprio de uma só e mesma natureza chorar por comiseração o amigo
morto (Jo 11,35) e após a remoção da pedra do sepulcro de um defunto de quatro
dias, despertá-lo redivivo, somente emitindo uma ordem (ib. 43); ou pender do
lenho e transformar o dia em noite, fazendo tremer todos os elementos; ou ser
transpassado pelos cravos e abrir as portas do paraíso ao ladrão por causa de
sua fé (Lc 23,43).
Do
mesmo modo não provém da mesma natureza dizer: “Eu e o Pai somos uma só coisa”
(Jo 10,30) e afirmar: “O Pai é maior do que eu” (Jo 14,28). Embora seja nosso
Jesus Cristo uma só Pessoa, Deus e homem, difere contudo a proveniência para as
duas naturezas do opróbrio comum a ambas e da glória comum. Pelo que recebeu de
nós, a humanidade, ele é menor do que o Pai; do Pai lhe vem a igualdade com o
Pai, a divindade.
5. Por
causa desta unidade de pessoa em duas natu-rezas lemos ter o Filho do homem
descido do céu, quando o Filho de Deus, da Virgem da qual nasceu, assumiu um
corpo. E novamente diz-se que o Filho de Deus foi crucificado e sepultado, ao
sofrer tudo isso, não na própria divindade, pela qual o Unigênito é co-eterno e
consubstancial ao Pai, mas na fraqueza da natureza humana.
Todos
nós, confessamos, por isso, no Símbolo, que o Unigênito Filho de Deus foi
crucificado e sepultado, segundo o dito do Apóstolo: “Se, de fato, tivessem
conhecido, não teriam ao certo crucificado o Senhor da glória” (1Cor 2,8).
O
próprio nosso Senhor e Salvador, querendo esclarecer a fé dos discípulos, por
meio de suas interrogações, interpelou-os: “Quem dizem os homens que é o Filho
do homem?” E como eles referissem as várias opiniões dos outros: “E vós”,
perguntou-lhes, “quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,13-15). Quem dizeis que eu
sou, eu, o Filho do homem, que vedes na condição de servo e na realidade da
carne? São Pedro, divinamente inspirado, numa confissão benéfica para todos os
povos, disse: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo” (Mt 16,16). Foi digno,
então, de ser chamado bem-aventurado pelo Senhor. Recebeu da pedra principal a
virtude e o nome aquele que por revelação do Pai confessou identificar-se o
Filho de Deus e Cristo. Aceitar um sem o outro não aproveita para a salvação.
Igual perigo seria crer que o Senhor Jesus Cristo é Deus só sem ser homem, ou
apenas homem e não Deus.
Qual a
finalidade do prazo de quarenta dias após a ressurreição do Senhor (de seu
verdadeiro corpo, porque ressuscitou aquele mesmo que fora crucificado e
morto), a não ser libertar a integridade de nossa fé de qualquer obscuridade?
Conversou
com seus discípulos, esteve na mesma casa e comeu com eles (At 1,4). Permitiu
que o tocassem com diligência e curiosidade os que estavam ansiosos pela
dúvida. Entrava com as portas fechadas onde estavam os discípulos; com seu
sopro comunicava-lhes o Espírito Santo (Jo 20,22) e dando as luzes do
entendimento, revelava os segredos das Sagradas Escrituras. E ainda mostrava a
chaga do lado, as perfurações dos cravos e todos os sinais da paixão recente,
dizendo: “Vêde as minhas mãos e os meus pés, sou eu mesmo; apalpai-me e
observai que um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc
24,39). Assim, reconheceriam os discípulos que nele as propriedades da natureza
divina e humana permaneciam intatas, e saberíamos nós que Verbo e carne não se
identificaram e que o único Filho de Deus é Verbo e carne.
(...) “Todo
o espírito que confessa a Jesus Cristo encarnado, vem de Deus, e todo o
espírito que não confessa a Jesus não vem de Deus. Tal é o fato do anticristo”
(1Jo 4,2-3).
(...) Ouça
o bem-aventurado apóstolo Pedro pregar que a santificação do Espírito se faz
pela aspersão do sangue de Cristo, e não leia superficialmente as palavras do
mesmo apóstolo: “Sabendo que não fostes resgatados dos vossos costumes fúteis,
herdados dos vossos antepassados, a preço de coisas corruptíveis, como a prata
e o ouro, mas pelo sangue precioso de Cristo, como de um cordeiro sem defeito e
sem mancha” (1Pd 1,18).
Não
resista também ao testemunho do apóstolo são João que diz: “O sangue de Jesus
Cristo, seu Filho, purifica-nos de todo o pecado” (1Jo 1,7). E ainda: “Esta é a
arma invicta que vence o mundo: a nossa fé” (1Jo 1,7). “E quem é que vence o
mundo senão quem crê que Jesus é o Filho de Deus? Este é que veio por água e
sangue: Jesus Cristo; não só na água, mas na água e no sangue; e é o Espírito
que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade. Três são os que dão
testemunho: o Espírito, a água e o sangue, e os três são unânimes” (1Jo 5,4-8).
Isto é, o Espírito de santificação e o sangue da redenção e a água do batismo.
Os três são uma só coisa, e permanecem indivisíveis, sem nenhuma separação,
desta sua conexão.
A
Igreja católica vive de tal fé e nela progride: Não há em Cristo Jesus
humanidade sem verdadeira divindade, nem divindade sem verdadeira humanidade.
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