Sermões de São Leão Magno sobre as coletas – parte 2
Texto extraído do livro "Sermões" de São Leão Magno da Editora Paulus.
Texto extraído do livro "Sermões" de São Leão Magno da Editora Paulus.
(...)
Na verdade, existe alguma coisa de mais aproveitável para a fé, alguma coisa
que convenha melhor à piedade do que ajudar a pobreza dos indigentes, de se
preocupar com o cuidado dos doentes, de atender as necessidades dos irmãos e de
nos lembrar da nossa própria condição, percebendo as necessidades dos outros?
Nesse trabalho aquilo que cada um pode fazer e aquilo que não pode fazer só
pode ser verdadeiramente conhecido por aquele que sabe o que doou e a quem. Na
realidade, não só temos bens espirituais e dons celestiais porque nos são dados
por Deus, como também, as riquezas terrestres e materiais provém de sua própria
magnanimidade, de tal modo que, por algum mérito, se poderia perguntar a razão destes
bens que ele nos concedeu mais para distribuí-los do que para possuí-los. É
preciso, pois, usar esses dons de Deus com justiça e sabedoria, para que a
matéria das boas obras não se torne causa de pecado. Com efeito, as riquezas
consideradas tanto externamente quanto nelas mesmas, são boas e muito úteis à
sociedade humana, desde que estejam em mãos benevolentes e generosas e que não
sejam administradas por esbanjador ou por avaro que as dissimule, fazendo-as
desaparecer ou escondendo-as de forma que sejam dilapidadas estupidamente.
(...) Embora seja
louvável fugir da intemperança e evitar os males que causam desejos
vergonhosos, de outra parte muitas grandes personagens não se importam de
ocultar os seus recursos, e nadando na fortuna, detestam uma economia vil e
sórdida; no entanto, a abundância deles não é feliz, nem digna de aprovação à
frugalidade dos outros, se os seus bens servem apenas a eles mesmos; se, por
suas riquezas nenhum pobre é socorrido, nenhum doente reconfortado; se pela
abundância de suas grandes posses o prisioneiro não experimenta a libertação
nem o peregrino o conforto; nem o exilado o auxílio. Desta forma, os ricos são
mais miseráveis do que todos os miseráveis. Eles perdem, pois, o retorno que
poderiam tornar eterno e, enquanto se entregam à uma alegria passageira e nem
sempre livre, não são alimentados por nenhuma justiça nem premiados por nenhuma
misericórdia; resplandecentes por fora, são trevas por dentro; ricos em bens
temporais, pobres dos bens eternos: tornam, com efeito, sua própria alma
faminta e a desonram pela nudez porque eles não conseguiram colocar nada nos
tesouros celestes daquilo que guardaram nos celeiros da terra.
Mas
pode ser que se encontre algum rico que mesmo não tendo o hábito de socorrer os
pobres com a riqueza de seus recursos, observa, no entanto, outros mandamentos
de Deus e, dentre os diversos méritos de sua fé e de sua honestidade, acreditam
que a falta de uma só virtude lhes será facilmente perdoada. No entanto, esta é
tão grande que sem ela todas as outras, até reais, não podem ser úteis. Com
efeito, embora alguém possa ser fiel, casto, sóbrio e dotado de outras
insígnias mais importantes, se entretanto não for misericordioso, não merece
misericórdia: pois, assim fala o Senhor: “Bem-aventurados os misericordiosos
porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). Quando, portanto, vier o filho do
homem em sua majestade e sentar-se no trono de sua glória, e todas as nações
estiverem reunidas, realizar-se-á a separação dos bons e dos maus, porque os
que estiverem à direita serão louvados por seus serviços de amor que Jesus
Cristo olhará como feitas a ele mesmo? Pois ele que fez sua a natureza do
homem, não se distinguiu em nada da humilde condição humana. Mas, o que ele
reprovará aos que estiverem à esquerda senão ter negligenciado o amor, a dureza
da humanidade e ter recusado a misericórdia aos pobres? Como se à direita não
houvesse outras virtudes e à esquerda não houvesse outras ofensas. Na hora
deste grande e supremo julgamento será levada em conta tanto a benignidade
daquele que reparte seus bens como a impiedade daquele que é insensível, de
modo que será considerada como plenitude de todas as virtudes e a outra a suma
de todas as omissões, e assim alguns serão introduzidos no reino por causa de
um só bem e outros serão mandados para o fogo eterno por causa deste único mal.
(...) Caríssimos, que
ninguém se engrandeça se lhe faltarem obras de caridade; nem esteja seguro da
pureza de seu corpo, aquele que não se lavar com as esmolas que purificam. Com
efeito, as esmolas apagam os pecados, destroem a morte e extinguem a pena do
fogo eterno, mas, aquele que estiver vazio de seus frutos, permanecerá estranho
à indulgência do retribuinte, de acordo com o que afirma Salomão: “Quem tapa o
ouvido ao clamor do pobre também clamará e não terá resposta” (Pr 21,13).
Tobias também, ensinando a seu filho os princípios da piedade, dizia: “Toma de
teus bens para dar esmola. Nunca afastes de algum pobre a tua face, e Deus não
afastará de ti a sua face” (Tb 4,7). Esta virtude torna proveitosas todas as
outras; sua presença vivifica a própria fé, da qual o justo se alimenta e sem
as obras é considerada morta; porque da mesma forma que as obras encontram sua
razão de ser na fé, a fé demonstra sua força através das obras. Como diz o Apóstolo:
“por conseguinte, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos, mas,
sobretudo para com os irmãos na fé. Não desanimemos na prática do bem, pois,
senão desfalecermos, a seu tempo colheremos” (Gl 6,10.9). Assim, a vida
presente é tempo de semeadura e o dia da retribuição, o tempo da colheita,
quando cada qual receberá os frutos dos grãos de acordo com a quantidade que
tiver semeado. Que ninguém se iluda quanto ao rendimento desta colheita, porque
aí serão levadas em conta mais as intenções do que as distribuições; e, será
dado pouco por pouco como muito por muito.
E, assim, caríssimos,
curvemo-nos às instituições dos apóstolos. Como domingo será o próximo dia de
coleta, preparai-vos para uma generosidade voluntária, a fim de que cada um, de
acordo com suas possibilidades, participe da sagrada oferenda.
As
próprias esmolas e aqueles que serão ajudados por elas implorarão por vós, de
modo que possais estar sempre prontos para toda boa obra, em Jesus Cristo,
nosso Senhor, que vive e reina pela infinitude dos séculos. Amém.
(...)
Com efeito, é o fato de um coração muito duro não se comover por qualquer
miséria que seja dos que sofrem, e, aquele que tendo possibilidade de amenizar,
não socorre o aflito, é tão injusto quando não socorre o aflito quanto o que
oprime o enfermo; que esperança, então pode restar ao pecador se ele não é
misericordioso de modo a também ele receber misericórdia?
Caríssimos,
eis porque aquele que não é bom para os outros é, antes, mau para si mesmo,
prejudicando sua própria alma, não socorrendo a daquele que ele poderia
socorrer.
(...)
chore com os que choram e junte seus gemidos aos gemidos dos doentes; que ele
divida com os pobres suas riquezas; que ele use seu corpo sadio para se
inclinar sobre o doente que está possuído pelo mal; separe entre os seus
alimentos, uma parte para os famintos e que ele possa aquecer aqueles que
tremem de frio. Aquele que, com efeito, ameniza a miséria temporal do sofredor
se livra do suplício eterno do pecador.
(...)
E, porque “Deus ama aquele que dá com alegria” (2 Cor 9,7), ninguém se obrigue
a dar além de sua possibilidade. Que cada um seja juiz equilibrado entre si e
os pobres. Que uma comiseração alegre e segura descarte qualquer falta de
confiança; e, aquele que ajuda ao indigente compreenda que está dando a Deus a
esmola que distribui. Todas as riquezas, cuja medida não é uniforme, podem ter
o mesmo valor se, apesar de quantidades diferentes, o amor não for menor. Com
efeito, Deus, que não faz diferença entre as pessoas, recebe igualmente o dom
do rico e do pobre: ele sabe o que outorgou ou não a cada um: no dia da
recompensa não é a medida das riquezas que será julgada, mas a qualidade das
intenções. Por Cristo, nosso Senhor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe uma mensagem!!!